13 de janeiro
Prateleiras desprotegidas
O Globo - Prosa & Verso - pg. 01 - 13/1
(André Miranda)
Em todo o país, as bibliotecas enfrentam problemas com
furtos e danos a livros, e debatem maneiras de conscientizar os
leitores
Como se não bastasse a dificuldade de acesso à cultura
no Brasil, o ambiente mais democrático para se obter conhecimento
está abandonado. Apenas 5% das cinco mil bibliotecas públicas
(federais, estaduais, municipais e comunitárias) do país
têm algum sistema de segurança. Já entre as
duas mil universitárias, a segurança é mais
comum, mas, mesmo assim, cerca de 8% do acervo são perdidos
anualmente por furtos ou desgaste. Para os bibliotecários,
o problema persiste pela falta de verbas para equipamentos e contratação
de pessoal e pela falta de cuidado dos usuários. Assim, além
do sumiço das obras que, na maioria dos casos, só
é descoberto semanas, meses ou até anos depois, quando
outro usuário procura um exemplar que até aquele momento
não se sabia estar desaparecido as bibliotecas convivem
com a depredação constante. De leitores que sublinham
a caneta trechos inteiros a aqueles que simplesmente arrancam páginas
para levar para casa, há de tudo num universo em que prevalece
o desrespeito ao livro. As bibliotecas, por sua vez, fazem campanhas
anuais de conscientização, mas nem sempre são
bem-sucedidas.
Quando o livro se torna um caso de polícia
Bibliotecários de instituições públicas
e universitárias pedem verbas para aumento de segurança
e para preservação
As razões para a depredação e o furto de livros
não estão ligadas a classes sociais nem variam conforme
os costumes de diferentes regiões do país. Assim como
a biblioteca pública, o desrespeito, garantem os bibliotecários,
é democrático. Pobres e ricos, jovens e velhos, universitários
e estudantes do ensino médio, moradores dos centros urbanos
e moradores de zonas rurais as obras públicas sofrem
com o mau uso por parte de qualquer tipo de leitor.
Sistemas de segurança como câmeras de vídeo,
portais magnéticos na entrada das bibliotecas ou até
a contratação de mais vigilantes são formas
de diminuir os furtos. Mas, para isso, é necessário
haver mais verbas, como lembra Célia Regina Domingues, coordenadora
de acervo do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP).
Ela explica que existem cerca de cinco mil bibliotecas públicas
no Brasil (sem contabilizar universitárias e escolares) e
que uma minoria conta com segurança.
Menos de 5% das bibliotecas públicas brasileiras
têm algum tipo de segurança. São equipamentos
que demandam verbas, e somente algumas instituições
dos grandes centros conseguem instalá-los. Na grande maioria
dos casos, depende-se da atenção dos bibliotecários
para salvaguardar as obras. Estamos cientes dos furtos e damos treinamento
às equipes para tentar evitar o problema explica Célia.
No Estado do Rio, existem 157 bibliotecas públicas, segundo
a bibliotecária Ana Ligia Medeiros, diretora-geral das bibliotecas
estaduais até o fim de 2006 com a mudança de
governo, o cargo permanecia vago até esta semana. O estado,
ainda de acordo com Ana Ligia, é um dos poucos que dispõem
de ao menos uma biblioteca por município.
Furtos sempre vão existir, e fazemos o possível
para minimizá-los, mas não acho que as bibliotecas
do estado estejam desprotegidas. Quando pegamos alguém, não
temos pena e levamos logo para a delegacia afirma Ana Ligia.
Ar-condicionado quebrado aumenta ocorrências
Há casos, porém, em que nem mesmo os sistemas de
segurança são suficientes para conter a criatividade
criminosa. Anne Marie Paes de Carvalho, chefe da Biblioteca Central
da Universidade Federal Fluminense, revela que um defeito no ar-condicionado
pode ter aumentado o número de furtos em 2006.
Há dois anos, instalamos um alarme na porta, com
barra magnética, e os furtos haviam diminuído. Mas,
em 2006, nosso ar-condicionado quebrou, e fomos obrigados a deixar
a janela aberta. E uma das formas mais usuais de furto é
a de pessoas que jogam os livros pela janela para burlar o alarme
na saída. O último ano pode ter sido catastrófico
para nosso acervo lamenta.
As bibliotecas universitárias são exatamente as que
mais sofrem com a depredação e os furtos, pela grande
quantidade de usuários. A Comissão Brasileira de Bibliotecas
Universitárias (CBBU) tem cerca de 200 filiadas, mas estima
que existam mais de duas mil no país. Apesar de não
haver um levantamento, o panorama é semelhante ao restante
das bibliotecas públicas, e apenas as maiores, dos centros
urbanos, têm sistemas de segurança.
Na Uerj, por exemplo, livros que pertenciam ao acervo da instituição
foram encontrados num sebo do Centro há quatro anos. A polícia
foi chamada e os livros foram devolvidos, mas se teme que situações
como essa sejam recorrentes.
Sigrid Karin Weiss Dutra, presidente da CBBU e diretora do Sistema
de Bibliotecas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
lembra, ainda, que nem mesmo todas as federais possuem segurança.
Segundo ela, uma forma de obter mais verbas é através
de projetos de captação de recursos.
Editais oferecem verbas para proteção de acervos
e temos cursos para capacitar e incentivar os gestores a se inscreverem
explica Sigrid. Temos muita dificuldade em conhecer
a quantidade real de publicações que desaparecem das
bibliotecas, porque nem todas as instituições fazem
inventários. Na UFSC, de 8% a 10% de publicações
são perdidas anualmente pelos furtos ou pelo desgaste que
os livros vão sofrendo com o tempo e o mau uso. No Brasil,
podemos dizer que essa taxa esteja em torno de 8%.
A presidente da CBBU destaca que as bibliotecas fazem campanhas
de conscientização constantemente, mas acredita que
cada leitor poderia, também, fazer sua parte.
A depredação é uma questão cultural.
É necessário educar as pessoas. Coisas simples, como
não comer perto dos livros, não sublinhar, não
pôr clipes nas páginas ou ter cuidado ao abri-los nas
máquinas de xerox podem ser feitas diz Sigrid.
A conservação dos livros é uma preocupação
também para a UFRJ. No ano passado, a universidade conseguiu
R$180 mil de verbas com o BNDES para investimentos em segurança
e preservação. Agora, a UFRJ concorre novamente com
um projeto no banco, dessa vez pedindo R$157 mil.
Os furtos podem ser resolvidos com investimentos em segurança.
Porém, para mim, o maior problema é com a depredação.
É necessário desenvolver o amor pelo livro, o que
não é fácil. Fazemos campanhas, mas nossos
usuários mudam a cada ano. Assim que sai um aluno, já
atingido pela campanha do ano anterior, entra outro e o trabalho
deve recomeçar. A conscientização é
muito difícil conta Paula Maria Abrantes Cotta de
Mello, coordenadora do Sistema de Bibliotecas e Informação
da UFRJ. As pessoas precisam ter consciência de que
se trata de uma obra pública. Existem todos os tipos de furtos.
Tem até aluno que chega ao cúmulo de esconder um livro
de exemplar único dentro da própria biblioteca, fora
de sua prateleira original, para que ele possa estudar na véspera
de uma prova e não correr o risco de o livro estar sendo
usado por outra pessoa.
Além dos problemas com furtos e depredação,
Paula também faz coro por pedidos de mais verbas para compra
de livros. Em 2006, as bibliotecas da UFRJ apontaram uma demanda
de cerca de 16 mil exemplares, mas apenas 5,5 mil foram comprados.
Desde 1998, a UFRJ não recebia verba do governo federal
específica para livros. Tirava-se dinheiro de outras áreas,
e as bibliotecas não eram prioridade. Em 2004, os repasses
voltaram. No ano passado recebemos R$600 mil e pudemos comprar quatro
mil títulos comemora ela.
No estado, livro é tratado como computador
Já na Uerj, as verbas anuais não são garantidas.
De acordo com Rosangela Aguiar Salles, diretora da Rede de Bibliotecas
da universidade, o último grande repasse para compra
de livros veio em 1998, do governo federal. Hoje, há verba
para infra-estrutura, mas nada específico para o acervo.
Com a entrada dos cotistas na Uerj, deveria ter havido mais
investimentos nas bibliotecas para melhor recebermos os alunos.
Mas apenas esporadicamente há pequenas verbas. Muitos professores
incluem nos orçamentos de projetos a compra de livros para
o acervo diz ela.
Outro problema é que o livro é considerado no estado
um bem permanente e deve ser adquirido da mesma forma que computadores
ou carteiras. Em âmbito federal, o livro também é
considerado bem permanente, mas uma lei permite que ele seja comprado
como bem de consumo, o que facilita o processo.
Temos que fazer a cotação em três livrarias
e, caso a vencedora da licitação não tenha
um exemplar, ficamos sem esse exemplar. Além disso, quando
alguma obra some, o Tribunal de Contas pede que se abra uma sindicância.
Tudo isso aumenta a burocracia lamenta Rosangela. (André
Miranda)
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